Hoje eu trago uma ótima notícia que super merece ser compartilhada aqui no blog. A reportagem foi escrita pela jornalista Marília Marques, que faz parte da equipe de jornalismo do G1 em Brasília/DF. Confira:
Um grupo de ex-detentos escolheu a literatura para se tornar "protagonista da própria história". Eles se conheceram ao sair do sistema penitenciário e, há um ano, criaram um clube de livros com encontros mensais em Brasília.
Desde então, a cada mês, os 12 amigos escolhem obras variadas e debatem ideias e impressões sobre as narrativas, contexto da história e perfil de cada autor.
As rodas de conversa são marcadas em cafeterias, shoppings e em salas de universidades do DF – "lugares que aparentemente são inacessíveis para pessoas que vieram de onde nós viemos", explica o idealizador do clube, Jeconias Neto, de 27 anos.
Aos 14 anos ele foi apreendido em Brasília e cumpriu pena no sistema socioeducativo. Ao sair, já adolescente, conta que se viu desamparado e, por isso, decidiu vender sorvete na rua. Tempos depois, passou a vender livros, se dedicou aos estudos e, então, entrou em um projeto que o ajudou a cursar a faculdade de teologia na Argentina.
Idealizador do clube, Jeconias Neto, de 27 anos — Foto: Victor Gomes / G1 DF
Ao lado dele, hoje, se reúnem no clube outros tantos colegas que também foram presos e cumpriram penas por assalto, tráfico de drogas e tentativa de homicídio. A partir da literatura, os ex-detentos decidiram trocar as armas pelos livros.
"É muito mais que ler, é uma iniciativa de apoiar um ao outro. É uma transformação pela leitura."
"Depois do clube, já temos três colegas que estão fazendo faculdades, e um já está se formando agora, foi meu amigo de crime, mas hoje é de leitura", afirma o idealizador.
'Os miseráveis'
Como referência de livro marcante, Jeconias cita a história do personagem Jean Valjean, protagonista de "Os miseráveis" – obra famosa do escritor francês Victor Hugo.
O livro conta a história de um condenado posto em liberdade depois de roubar um pão. O título foi um dos primeiros da lista a ser escolhido. Um ano depois, os ensinamentos do clássico ainda mexem com as emoções dos integrantes do clube.
" 'Os miseráveis' foi o que mais marcou, porque todo mundo se viu na realidade do livro, de como Jean passou por tudo e aceitou o perdão, sinistro como ele aceitou o perdão", conta.
"Todo mundo chorava quando se falava disso. Porque é o que faltava no coração da gente: a falta de ser abraçado como Jean foi, de ser perdoado e de ser aceito."
Crime e castigo
Outro clássico que está na mesa de cabeceira de todos do grupo é a obra-prima do escritor russo Fiódor Dostoiévski. "Crime e castigo" foi escolhido como livro do mês de fevereiro e já levantou o debate sobre outras sociedades.
O gestor público Joymir Guimarães, de 36 anos, faz parte do clube desde os primeiros encontros. Para ele, o livro do mês tem um significado especial "por mostrar realidades sociais que nunca tínhamos conhecido".
Gestor público Joymir Guimarães, de 36 anos — Foto: Victor Gomes / G1 DF
Joymir foi preso aos 26 anos e, depois de cumprir uma pena de quase seis anos no Complexo Penitenciário da Papuda, reencontrou Jeconias, amigo de infância que logo o convidou para montar um grupo de leitura.
O amor pelos livros, no entanto, já tinha surgido muito antes, quando Joymir ainda estava atrás das grades. "Na cadeia, um policial civil notou a maneira como eu cumpria a pena, viu uma certa diferença e começou a me ajudar", conta.
"No começo eu não aceitei ajuda, mas ele tinha as melhores intenções e começou a me ofertar livros religiosos. Quando eu sai, comecei a participar de rodas de conversa no socioeducativo, ajudar as pessoas passou a fazer parte de nossas vidas".
"Os livros mostram que existe uma saída. Há exemplos de grandes pensadores que tiveram a vida transformada, não por crimes como os nossos, mas sendo protagonistas, estudando, trabalhando e alcançando as coisas dessa maneira", diz, orgulhoso.
Literatura na cadeia
Usando como exemplo as próprias histórias e o amor em comum pelos livros, cinco dos 12 membros do clube do livro de ex-detentos estão levando encontros semanais também para dentro dos presídios e de unidades socioeducativas do DF.
Além da abordagem sobre literatura, os debates para os mais jovens falam sobre postura profissional, autocuidado e formas de apoiar um ao outro. "É muito mais do que ler", diz Jeconias.
"A leitura é fera. Se, um ano atrás, alguém trocasse ideia com o clube do livro, veria a diferença na argumentação", lembra. "Somos mais sinistros agora, sabemos organizar melhor o pensamento".
Originalmente a reportagem foi publicada no G1 DF.
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