A história tem como fio condutor o fascínio do protagonista pela obra do grande mestre e também pela antiga cidade do Rio de Janeiro, onde se passa a ação de livros como Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás de Cubas, entre outros.
Emiliano Moreira, o personagem central do romance, é um livreiro, bibliófilo e escritor obscuro que um dia, em cumplicidade com um amigo, concebe a ideia de furtar o pincenê de Machado de Assis, que se acha em exposição permanente numa urna na Academia Brasileira de Letras.
“O desejo obsessivo de se apossar da relíquia”, revela o autor, “surge de uma premissa delirante desse personagem: ele imagina que, conseguindo usar os óculos do mais célebre escritor do país, poderá enxergar o mundo e escrever com o mesmo talento do genial criador de Capitu e Quincas Borba”. Como a premissa absurda não se verifica, ele resolve devolver a relíquia à Academia.
Para Eliezer Moreira, o enfoque fundamental de seu romance é a celebração da própria literatura de ficção e da prática da leitura como exercícios de liberdade da imaginação. Sobre a forma do romance, ele adianta: “Olhos bruxos se desenvolve em dois planos narrativos distintos – cada um com linguagem própria, tendo, portanto, dois supostos narradores, um deles de escrita mais simples, mais chã e ‘atual’, e o outro com uma escrita mais sofisticada e ‘arcaica’. Um dos planos tem algo do gênero detetivesco e seu narrador é um jornalista que se interessa pelo caso e passa a investigar o roubo do pincenê. No outro plano narrativo, que pretende ser um pastiche da prosa de Machado de Assis, o protagonista Emiliano Moreira, em sucessivas cartas à Academia Brasileira de Letras, enviadas anonimamente, procura se justificar e apresentar as razões pelas quais furtou a relíquia e por que decidiu devolvê-la. Essas cartas têm um tom de voluntarismo não menos delirante do que a ideia inicial do furto, e, por meio delas, o missivista-narrador acredita poder se redimir e obter o perdão pelo ato ignóbil (enfim, o crime) que praticou”, finaliza.
De fato, a narrativa de "Olhos bruxos", em grande parte, se assume como pastiche da prosa de Machado de Assis, trabalhando assim a ideia de simulacro, de imitação, embora não servil. E mais: pode ser vista, ainda, como a leitura de uma obra romanesca que redunda em outra obra romanesca, recurso que torna a narrativa essencialmente ambígua, oscilando entre o falso e o verdadeiro, entre a originalidade e a imitação, entre o real e o ficcional.
A orelha do livro traz um texto do escritor e crítico André Seffrin. “Nesse ir e vir fervente de personagens”, escreve o ensaísta, “somos orquestradamente levados a ambíguos e confusos sentimentos ora por meio do humor do romancista ora pela ação dos próprios personagens que atravessam páginas como quem transpõe portas em direção a imponderáveis desvios de rota. Tudo somado a veredas que se multiplicam com essa ‘gente impalpável, improvável, todavia mais viva do que eu e do que vós, essa gente de verdade que encontramos nos romances’. [...] Eliezer Moreira dá velocidade de correio eletrônico a uma narrativa aberta e detetivesca. E isso sem perder a densidade e a envergadura que fazem do romancista o que ele de fato é – um demônio de imaginação, um demiurgo que erige fábula e alegoria em meio a tumultos de amor e dúvidas intestinas”.
EM EVIDÊNCIA
"Olhos bruxos", assim como outros títulos ficcionais recentes inspirados em Machado de Assis, chega ao mercado num momento em que o escritor está mais em evidência do que nunca, na imprensa como nas redes sociais. Nelas, o autor tem sido redescoberto e apresentado como “um novo Machado de Assis”, em discussões polêmicas envolvendo o preconceito racial e o “embranquecimento” do escritor negro pelas elites intelectuais do país. Como se não bastasse, neste ano é celebrado o 180º aniversário do seu nascimento, com simpósios e homenagens Brasil afora.
TRECHO:
“Não, o larápio não furtou para vender, sabe que nada no mundo paga algo tão valioso. Furtou para ter consigo a preciosidade, tê-la secretamente, um fetiche, talvez. Não furtou o pincenê, mas aquilo que este propiciou ao escritor... Pode não ser maluco, mas deve ser alguém fascinado até à loucura pela obra de Machado de Assis, pela maneira como o escritor enxergou o mundo. E essa maneira de enxergar está toda lá, eternizada (permitam a palavra solene) nas páginas obsedantes que escreveu o Bruxo do Cosme Velho... Não, meus amigos, o interesse, o alvo do ladrão não eram os óculos, mas os olhos. Aqueles olhos que souberam enxergar a vida e as dores humanas de forma tão penetrante é que se tornaram o objeto da cobiça desvairada do ladrão, os olhos bruxos de Machado de Assis é que foram levados pelo misterioso larápio.”
O AUTOR
Eliezer Moreira nasceu em Cocos (BA) em 1956. Cresceu em Januária (MG), e vive no Rio de Janeiro desde 1979. É jornalista e roteirista de cinema e TV. Trabalhou como roteirista na TV Educativa e na TV Brasil do Rio, e também como repórter. Estudou Literatura Brasileira (Mestrado) e Literatura Comparada (Doutorado) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Seu primeiro romance, A pasmaceira (Editora Record – 1990), conquistou o Prêmio Graciliano Ramos da União Brasileira de Escritores. O romance foi publicado também em Portugal, em 2016, com o título Um homem querendo vender sua morte (Rosmaninho Editora de Arte). Publicou pela Editora Mulheres (SC) o ensaio biográfico Jeanne Bonnot: uma vida entre guerras (2015). Publicou pela Editora Patuá (SP), a novela Florência diante de Deus (2015) e o romance Ensaio para o adeus (2018).
Adicione: Skoob | Páginas: 238 | Editora: Penalux | Compre: Loja Penalux
Nenhum comentário: